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se me dissessem que tempestades eram tão belas, eu mandaria queimar todos os guarda-chuvas que pudesse encontrar. Deixe que a noite acenda, e você nunca se sentirá tão viva.

"E se eu não quiser queimar?" ela me perguntou, vestindo sua expressão mais inteligente, e eu podia jurar - por toda a minha coleção de canetas coloridas e todas as minhas figurinhas do Simon Snow - que seus olhos faiscavam. Não eram a sua parte mais bonita - ela tinha um montão de pedacinhos notáveis e, de alguma forma, era muito mais do que a soma das partes.
Não, seus olhos não eram sua parte mais bonita. Talvez fossem as mãos, ou a boca - aquela boca - mas eu era suspeita demais pra falar. Nossa professora de biologia havia dito que podemos ficar três minutos sem oxigênio - o que era tempo pra caramba - mas quando aqueles lábios tocavam os meus, bem... eu tinha certeza que a Srta. Tomas estava errada. Porque aqueles lábios - quentes, macios e com um gostinho do mingau de chocolate que costumavam servir no almoço - bem...eles eram de tirar o fôlego, literalmente. Às vezes, quando nos beijávamos escondidas embaixo daquele carvalho velho, eu precisava lembrar a mim mesma de respirar. E era difícil. Era difícil pra cacete se concentrar em qualquer coisa que não fosse Meredith, como se todas as luzes daquela cidade se concentrassem magicamente naquele um metro e meio curvilíneo.
Seus olhos não eram sua parte mais bonita - mas eles refletiam tudo. Como se toda a luz que emanasse de seu dna pudesse ser concentrada naquele belo par castanho escuro. E ali estava a ironia, carregando uma pitada de tristeza que invadia minhas narinhas: ela faiscava. Em seu mais óbvio esplendor.
"Você é fogo" eu quis dizer, no tom mais alto que podia sair de minha garganta, mirando aqueles espelhos iridescentemente perspicazes, mas me mantive em silêncio. Me mantive em silêncio e meus lábios pareciam colados por algo que estava além do meu controle. Talvez fosse meu cérebro, me dando uma lição tardia. Talvez eu estivesse com um medo enorme de dizer alguma besteira - aquela era minha grande especialidade: dizer um montão de besteiras. Talvez eu soubesse que aquela era uma conversa importante, e nenhuma piadinha amenizaria a situação. Também havia a possibilidade de eu apenas não ter nada para dizer - Meredith era a boa com as palavras, não eu. Ou, talvez, eu só estivesse fazendo uma força​ enorme pra não chorar, e se eu abrisse a boca - se eu dissesse qualquer coisa, até mesmo uma porcaria monossilábica - bem, eu desmoronaria. E não seria nada bonito.
Sempre fui uma covarde. Eu morria de medo de insetos e, todos as manhãs, e também antes de dormir, lambuzava minha pele com o repelente fedorento da Mari, mesmo que aquilo fizesse o garoto que sentava ao meu lado no caminho pra escola ficar torcendo o nariz e me encarando pelo canto dos olhos com uma cara não muito feliz.
Eu sempre havia sido a porra de uma medrosa, mas jurava que ficar com Meredith havia sido a coisa mais corajosa que já fizera em todos os meus dezessete anos - o que incluía comer o patê do vovô, que a cada nova tentativa ficava ainda pior. Porque é necessária uma coragem danada pra se apaixonar, e é necessária uma coragem maior ainda para arriscar - aquele era o meu ponto. Com Meredith, era como se jogar da ponte mais alta da cidade, no meio da noite, sem a certeza de haver algo embaixo - de alguma maneira poética - e confiar que a queda valeria a pena. Porque valia. Cada milésimo de segundo sem oxigênio. Mesmo se ela esmagasse seu coração em uma centena de pedacinhos, ainda assim, você pularia, e cada parte de seu corpo iria se arrepiar numa adrenalina extasiante.
Se alguém me perguntasse, eu diria que ficar com Meredith havia sido a coisa mais corajosa que eu havia feito nos meus 17 anos. Mas aquilo era uma mentira, das grandes. Libertar Meredith seria a coisa corajosa a se fazer - e era exatamente aquilo o que estava acontecendo. "Você é fogo", eu quis dizer, sentindo minha pele formigar pela proximidade e então deixei que as palavras jorrassem. Porque é necessária uma coragem danada pra se apaixonar. E todos merecem pular.

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