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Acesa

Ela levantou a janela devagar, seus pés mal tocando o chão de meu quarto e pousou com tanto cuidado que eu mal poderia escutá-la se meu corpo todo não estivesse prestando atenção à cada um de seus movimentos. Uma parte de mim - uma grande parte - morria de medo de que pudessem ouvi-la e a outra parte - a que quase vencia - desejava correr em sua direção, me jogando em seus braços. Mas eu precisava manter a calma, porque aquilo era tudo o que tínhamos, e era demais para arriscar.
- Feliz aniversário, cariño - ela me encarou o tempo todo, mas só disse algo quando seus lábios estavam próximos ao meu ouvido, tomando o cuidado de sussurrar. A observei atentamente por alguns instantes, meu corpo parecendo entrar em combustão. Eu sentia tanto a sua falta - era possível explodir de saudade?
A observei atentamente por alguns instantes, seu corpo brilhando, como pequenos pontos luminosos se acendendo lentamente, um a um, quando a luz que vinha da janela tocou em sua pele. Alex parecia um pisca-pisca, tão bonita quanto meu feriado favorito - colorida como nossa árvore de natal e quente como a lareira da Tia Tê.
Fechei os olhos, tentando memorizar todas aquelas sensações e senti-a se aproximar devagar, tomando o cuidado de não pisar com força naqueles pisos. Coloquei meus braços ao seu redor, apertando-a tão forte que cada parte de seu corpo pareceu estar colada ao meu.
- Porque você não abre os olhos? - ela perguntou, seus lábios colados logo abaixo de meu lóbulo.
Eu não posso, quis dizer a ela. Eu não posso abrir olhos, meu amor - eu queria gritar, mas tudo o que tínhamos era sussuros.
Eu não podia abrir os olhos, porque aquilo tornaria tudo real, e eu não podia voltar à realidade. Nós estávamos em nosso universo mágico, protegidas de todas as merdas lá fora, e quando eu estava com Alex eu quase podia esquecer que elas existiam. Eu quase podia esquecer que tudo o mais existia.
Não, eu não podia abrir os olhos, porque, naquele quarto, éramos só nós duas. Mesmo que os gritos de meu pai revertebrassem pelas paredes - mesmo que suas palavras ainda ecoassem em minha cabeça...mesmo sabendo que podíamos ser pegas - e Deus sabe o inferno que aquilo causaria, quando estávamos juntas nada daquilo importava. Porque Alex parecia um pisca-pisca - como se todas as luzes, em algum lugar escondido de seu corpo, se acendessem uma a  uma, brilhando junto ao meu.
Por alguns instantes, pensei em como seria não soltar. Apenas nossos braços e corpos e oxigênio e calor. Talvez algo como pegar no sono com o abajur aceso, depois de um pesadelo bem assustador. Como...se sentir segura. Completamente segura. Sim, aquela seria a sensação.
Apertei mais forte meus braços ao seu redor, inalando o cheiro de shampoo que vinha de seus cachos molhados e toquei a parte de trás de seu pescoço. Estávamos em absoluto silêncio, de modo que tudo parecia um pouco mais barulhento. Um pouco mais real, como seu suspiro, que aquecia minha orelha.
Tudo estava silencioso, e a quietude nos assustava, carregada do temor do que poderia vir a seguir. Me permiti abrir os olhos por alguns instantes, e antes que eu pudesse me controlar, o medo do que viria dominou meu corpo. Tudo estava escuro, mas a noite não nos assustava - era tudo o que tínhamos.
Passei do começo de sua cabeça à ponta de seu queixo - me demorando um pouco mais na pintinha perto da bochecha, e os encontrei. Meus olhos encontraram os seus, tão familiares e doces como pareciam em minha mente. Não - eu não podia descrevê-los corretamente. Mas eles estavam ali e aqueciam meu coração com as milhões de palavras que eu não tinha.
Meus olhos encontraram os seus porque Alex estava ali, minha mente repetiu, e a percepção daquilo fez com que uma onda de calmaria se espalhasse por todo o meu corpo. Ela estava ali, e não ia a lugar algum. Não importava o que acontecesse a seguir, naquele momento, eu tinha todo o universo na minha frente, brilhando em seu mais belo esplendor. Então fechei os olhos, o pedido de aniversário atrasado se materializando em minha mente.

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