"A escuridão costumava me assustar, porque tudo parece mais silencioso quando a noite cai, e de alguma forma mais real. A escuridão costumava me assustar porque era quando as sensações se acentuavam - todas elas, emergindo do fundo do baú e penetrando as camadas que restavam.
A escuridão costumava me assustar porque eu sabia que no fim não estava absolutamente sozinha. Eu tinha meus pensamentos - aqueles que me encontravam a quilômetros de distância, seguindo a rota mais tortuosa até minha pele.
A escuridão costumava me assustar porque eu amava a luz e a sensação do sol aquecendo meu corpo, mas quando acabava era só noite. Costumava me assustar porque o brilho do abajur velho parecia artificial demais e, de certa forma, mentiroso. Costumava me assustar porque me lembrava do que eu mais sentia falta, e algo em mim gritava que todas as luzes da cidade seriam insuficientes - nenhuma jamais chegaria nem perto.
A escuridão costumava me assustar porque ligava todos os meus sentidos, fazendo-me alerta; porque todos os meus pensamentos soavam no volume máximo, e não havia mais nenhuma atuação - era quando as partes assustadoras e sujas emergiam.
A escuridão costumava me assustar, mas então você me disse que eles haviam ido embora.
- Todos os estranhos se foram - você sussurrou no canto de meu pescoço, estranhamente animada. Todos eles se foram, quando me permiti abrir os olhos - lentamente - e soube que você estava certa. Então você me deixou entrar, num voo doce que deu à liberdade um sabor tão quente quanto seus beijos.
Com o mundo em meus braços, e meu coração em suas mãos, tirei todas as minhas roupas. A última coisa foram os sapatos - aqueles all-stars velhos que rasgavam nos cantos - e meus pés finalmente tocaram o chão gelado, quando contemplei o céu, dum azul tão acolhedor que me fez chorar.
A escuridão costumava me assustar porque era quando eu me dava conta de que não estava em casa, e minha própria pele parecia não servir. Mas a claridade é quem deveria ser temida, percebi mais tarde, quando você segurou meus pedaços sem apertá-los, como o presente mais precioso. A claridade é quem deveria ser temida, porque é quando tudo se torna real, e todas as suas janelas parecem escancarar-se."
* Obs.: Esse conto é inspirado na música In the dark, presente no álbum "Camila" (2018).
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