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De mãos dadas com o espelho

Conheci a solidão algumas porções de vezes, nunca completamente. 
Lembro-me vagamente de desejá-la, quando era nova demais para entender o que aquilo significava. Por vezes, ainda a procuro, como o ar livre depois de passar horas em um quarto lotado, sem qualquer fresta de ar. Eu corro em sua direção, respirando fundo no vento gelado.
Às vezes ela não vem, e me vejo questionando sua existência. É possível estar completamente sozinha? É possível experimentar a solidão quando, a cada segundo, tenho a mim, guiando cada um de meus passos em instruções altas e claras, cuidando de toda a bagunça, gritando e repreendendo, estimulando, me rigojizando com pequenas celebrações, admirando, eventualmente, pequenos detalhes de mim mesma?
Pensando dessa forma, posso dizer nunca tê-la experimentado. Sempre estive ali. Me acalmando, permitindo a mim mesma chorar, dançando sozinha em meu quarto, elogiando-me mentalmente em alguma tentativa de me animar, apontando possíveis soluções para quaisquer problemas. Me ignorando, gritando coisas que não queria ouvir, me mimando ou me deixando em paz, a depender de como estavam os ares.
Conheci a solidão algumas porções de vezes, e nunca completamente. Porque sempre estive ali. Inclusive, nos momentos em que não queria estar. Momentos em que desejei ardentemente o mais completo silêncio. Nenhum pensamento. Nada. Mas ali, tão alta, ainda estava eu.
E creio ser essa a grande ironia de toda a reflexão. Quando dizemos que desejamos não estar sozinhos, não estamos falando sobre qualquer calor, abraço ou presença. Estamos sendo cruelmente seletivos: nós desejamos qualquer outra companhia que não seja a nossa. Porque às vezes precisamos de um tempo de nós.
Somando todas as variantes, concluo que nunca alcancei a completa solidão. E nunca vou. 
Muitas pessoas falam sobre a dificuldade de convivência com o outro no amor romântico, mas e quanto à auto-convivência? Não é possível tirar uma pausa de si mesmo. Construir uma redoma ou apertar o botão de mute (quem me dera). Porque, no fundo daquela rua que sopra o doce ar frio, você está ali. Batendo na portinha de sua própria mente e pedindo pra entrar. Talvez com um casaco e uma tigela de sopa (está um pouco frio) ou um monte de broncas e palavras duras ("por que você está sendo assim?", "isso não é legal"); às vezes com uma punição silenciosa (não quero te ouvir agora").
Conviver significa atrito. Ouvir o que você não quer ouvir. Fazer o que não quer fazer. Não fazer o que você quer fazer. Conviver é difícil, mas ainda bem que o fazemos. Porque eu morro de medo do escuro.




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