- Você precisa apagar as memórias ruins - ela disse, como uma espécie de conselho sábio, mas estava tremendamente errada. Porque o grande problema, sobre as coisas boas, é que elas controlam seu próprio horário de chegada - e partida.
Sempre imaginei a dor como uma espécie de combustão - algo que viria sem avisar e então te explodiria em milhões de pedacinhos, num ato único e excruciante. Criei, em minha cabeça, a associação óbvia com um baque - algo que surge de uma vez, rompendo você em pedacinhos. Por isso, naquela quinta-feira quente, que acabou com você em meus braços, num gosto de despedida que tornou tudo um pouco salgado, deixei que viesse até mim - deixei que toda aquela onda de sentimentos tomasse conta de meu corpo, sabendo que eu precisava sentir.
E quando o dia anoiteceu tão frio quanto uma madrugada de outono, dando lugar a um adeus que não deveria ser adeus, eu senti cada pedaço ser tirado de mim, num queimar tão ardente que ficou em minha pele por semanas.
Mas a verdade é que eu estava terrivelmente enganada. A combustão, como eu já imaginava, me deixou em pedaços - cacos que não pude recolher completamente, tempestades escuras que ainda me afogam.
Naquela tarde, foi como se uma parte enorme estivesse sendo lentamente arrancada de mim, me deixando em cacos - pedacinhos de dor, e eu não pudesse fazer nada para impedir. Em seu adeus, tão belo que foi quase como se eu mesma colocasse meu coração em suas mãos, pensei que não haveria mais nada para arrancar - que nada se compararia àquela dor, porque, bem, você já havia levado quase tudo.
Então percebi meu erro, tão óbvio que parte de mim já deveria saber: você já havia levado quase tudo, e não sei quando perderei o próximo pedaço.
Sempre imaginei a dor como uma espécie de combustão, mas a verdade é que ela vem em ondas, algumas tão intensas que te derrubam e tiram pedacinhos e, sem aviso, te fazem perder o ar por segundos diários. O problema da dor é que ela não aparece uma única vez - como um golpe fatal. Ela sangra, e faz você se perguntar quantos pedaços faltam para o nada.
-Você precisa apagar as memórias ruins - ela disse, mas a verdade é que não existem. Porque o grande problema da dor é que, às vezes, ela vem salpicada em flashbacks incrivelmente belos.
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