" (silêncio)
Penso que estou indo bem quando pequenos detalhes, como uma manhã que começa sem que o vazio da cama pequena seja absurdamente óbvio, ou uma noite que não termina comigo odiando o cheiro de sabão em pó barato nas fronhas, um substituto de sua colônia, não me fazem sentir tão melancólica quando aquela canção que você tocava no natal - em que tudo o que tínhamos era a companhia uma da outra para comer macarrão requentado em baixo das cobertas, ao som de seu violão; e aquilo era tudo. Naquela manhã, entretanto, havia só eu, repleta de nada, péssima pra cassete.
Minha cabeça dói assim que abro os olhos, e instantaneamente me arrependo das garrafas de vinho da noite anterior - uma tentativa tola de tornar aquele encontro duplo no bar suportável, que acabou comigo chorando sozinha embaixo do chuveiro, percebendo o quão patética era. Porque eu não conseguia beijar a porra de uma boca sem que uma vozinha em minha cabeça me lembrasse de seus lábios já terem estado lá antes, tão doces que eu não poderia explicar? Como se, cada vez que alguém tocasse uma parte do meu corpo, isso apagasse instantaneamente os desenhos invisíveis de suas mãos, fazendo-me esquecer seu toque. Aquilo me aterrorizava - a perspectiva de esquecer você, assim como a ideia de seguir em frente. Eu estava num impasse.
A noite anterior havia sido um desastre, tão grande - ou talvez maior - quanto aquela manhã, em que cada parte de mim parecia pisoteada após eu ter bebido mais do que deveria, o que me fez lembrar do quanto aquilo costumava ser divertido para nós. Mas, naquele momento, tudo o que eu sentia era um vazio imenso, que nem todos os drinks da noite anterior conseguiam preencher.
"Nunca beba para esquecer algo, Jen", você me dizia, soando tão sexy na pausa de seu cigarro enquanto enchíamos a cara naquela ponte, o nosso lugar - traçar rotas para o trabalho que não incluam a avenida tem se mostrado uma tarefa bastante difícil, eu devo dizer. Não tão difícil quanto fazer, propositalmente, todas as coisas que eu não fazia quando estávamos juntas - como o café, por exemplo. Eu estava viciada naquela porcaria, mesmo depois de dizer zilhões de vezes que aquilo acabaria manchando seus dentes - que eram lindos.
E então eu me sentia patética, como cada vez em que ameaçava discar seu número, apenas para saber como você estava e o que andava fazendo. Ainda te imagino atendendo - segurando aquele tijolo, que você insiste em manter, numa mão enquanto rabisca, com a outra, uma série de coisas que mais tarde virão a ser uma das obras magníficas que suas mãos produzem; e penso que, num universo alternativo, você acabaria me convidando para um café, sem enrolações e papo furado. Aquela era você.
Num universo alternativo, eu poderia voltar ao momento em que você dançava desajeitadamente pelo apartamento, trazendo vida àquelas paredes mofadas. Num universo alternativo, nós ainda estaríamos juntas.
Crio cenas em minha cabeça, enquanto minhas mãos tremem, não conseguindo finalizar a ligação. Me pergunto se você mudou a cor do cabelo, e qual delas usa agora. Se ainda usa aquela guitarra velha que ficou de seu pai - sempre me perguntei porque você a guardava se isso a machucava tanto, e você me dizia que ela fazia um som incomparável. Eu fingia entender, e então sorria, pensando que você não fazia ideia do quão incomparavelmente boa era, com ou sem a guitarra.
Me pergunto se você ainda mantém seus rascunhos amassados num canto do seu guarda roupa - coisas que mais tarde ficarão fantásticas na voz de Natasha - e isso parte meu coração em mil pedaços. Você parte meu coração em mil pedaços, e tudo bem, eu penso. Ele era pra supostamente ser seu - eu disse, na noite em que te vi escrever a coisa mais linda que eu já havia lido, tão concentrada, com as pernas cruzadas e um monte de folhas velhas jogadas no chão, como você sempre costumava fazer. Era incrível como você sempre se encontrava em sua bagunça.
Absorvo todos esses detalhes, percebendo que eles me fazem amá-la mais. É isso, D. - eu digo em minha mente, sentindo as lágrimas se aproximarem, e novamente, as deixo vir. Deixo toda a dor sair de meu corpo, esperando o momento em que não sobre nada, mas sempre resta - aquela pontadinha que insiste em permanecer, e percebo que amo cada parte de você - suas mãos frias e sujas de tinta e grafite, sua colônia barata e os cigarros fedorentos, sua voz, suas músicas, seu café ruim e seu sorriso destruidor - até aquela que se foi, e flutua por aí no imenso azul, tão fodidamente belo quanto seus cachos coloridos."
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