Eu sinto sua falta. Às vezes, te ouço no silêncio - que por sinal, não é nada bonito.
O espelho diz que o amor te rodeia. Como não se perder no processo?
Conheci Arizona numa noite quente de verão, o que, na verdade, era pura modéstia, porque o ar parecia queimar como o inferno. Eu literalmente estava soando toda a água que havia bebido durante minha vida, o que não era nada bonito, se você pensar que eu estava cercada por uma centena de universitários bonitões num local em que minhas chances de sair com alguém aquela noite eram bem grandes.
Se você quer beijar alguém sem grandes esforços, vá a um jogo da faculdade, Lola costumava dizer, quando Mark e eu reclamávamos sobre o fato de não beijarmos ninguém há quase uma década, e eu sabia, antes mesmo de chegar ali, que ela estava certa.
Naquela noite, eu quase beijei alguém - e aquele seria, de longe, o melhor quase-beijo de toda a minha vida, que só perderia para o beijo de verdade, que viria no mês seguinte, acompanhado de olhos bonitos, uma cabeleira loira brilhante e botas de cano alto.
Eu já sabia o que esperar de Arizona pelo modo como Lola passava todo o tempo falando sobre ela - Mark e eu fazíamos piadas sobre ela ser sua nova melhor amiga, tentando esconder o fato de estarmos, no fundo, com um pouquinho de ciúmes, quando sabíamos que precisávamos lidar com aquilo. Lola não era aquele tipo de amiga (o tipo que te trocava por alguém), porque suas relações importavam - ela podia ter cerca de cinco pessoas que faziam realmente parte de sua vida, mas todas importavam demais. Nós sabíamos daquilo, e ainda assim não podíamos evitar aquela pitadinha de insegurança toda vez que ela passava as manhãs de segunda-feira falando sobre seu final de semana fantástico, com pessoas que ela conhecera em uma festa; mas nós também sabíamos que Lola não abandonava - nunca. Dessa forma, quando ela nos convidou para sair com Arizona, concordei prontamente, porque a garota merecia uma chance. Eu não sabia, mas, naquele dia, tudo estava prestes a mudar.
Quase beijei Arizona naquele jogo, num momento em que Mark se afastou para flertar com o garoto tímido da aula de fotografia, e Lola foi buscar mais cervejas - sua desculpa para procurar pelo jogador com quem ela estava saindo naquela semana. Quase beijei Arizona naquele jogo, e meu lado quase-não-mais-sóbrio sabia que podia fazê-lo, porque alguns goles de qualquer coisa alcoólica fazia eu me sentir daquela forma - como se eu pudesse fazer qualquer coisa, sem consequências. Sem medo.
Quase beijei Arizona, e tenho certeza de que ela queria tanto quanto eu - mesmo com toda a minha bagagem de insegurança, eu sabia, apenas pelo modo como seus olhos escuros me enxergavam. Eu soube em cada momento daquele jogo, quando ela procurava desculpas para me tocar, e duas de nós fingiam acreditar. Eu soube mais tarde, pelo modo como ela me encarou quando nos despedimos, no carro de Lola, e eu também soube na semana seguinte, quando ela tentou me provocar constantemente. Eu soube em cada segundo de silêncio quando tudo o que podíamos fazer era nos encarar. Eu sabia e, ainda assim, não nos beijamos, mas aquele quase-momento eletrizou meu corpo por semanas, e permaneceu em minha mente por mais tempo do que eu gostaria.
A primeira vez que beijei Arizona foi numa festa, e a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi que ela ainda estava com a garota de cabelos vermelhos. A última, foi que sua boca tinha gosto de gym tônica e halls sabor cereja.
Nosso segundo beijo foi no banheiro de Lola, em seu vigésimo aniversário. A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi que eu não sabia que um beijo podia ser tão quente, e, a última, que nós precisávamos continuar aquilo - foi o que eu disse, e ela concordou, me oferecendo seu sorriso mais sedutor antes de trancar a porta.
Em nosso terceiro beijo, na escada escondida da faculdade, eu finalmente perguntei, e antes de ela dizer qualquer coisa, eu sabia que deveria ter ficado quieta, porque o não-saber talvez tivesse um sabor melhor que o "não vamos complicar as coisas", dito num tom que fizera eu me sentir como uma criança de 5 anos que não estava sendo razoável.
No final daquele mês eu já havia perdido a conta de nossos beijos, em parte porque ocupavam um grande pedaço de meu dia, e em parte porque eu não queria pensar naquilo. No final daquele semestre, eu sabia que precisava fazer uma escolha. Uma vozinha racional, no fundo da minha cabeça, dizia que eu precisava acabar logo com aquilo - que não era nem metade do que eu queria, e não dá pra viver com uma metadinha, e outra parte - a parte que suspirava, todas as noites, lembrando do calor em seu olhar, e de como Arizona conseguira mexer comigo sem sequer me tocar - gritava que as lembranças valiam a pena. No fim, valeram.
Nosso último beijo foi amargo. A primeira coisa que passou por minha mente foi que eu sentiria sua falta - como o inferno. A última, que ela nem tentara me convencer a ficar.
Arizona passou por minha vida como um trem que vinha em alta velocidade, mas a verdade é que eu gostava de caminhar.
A conheci numa noite quente de verão. Percebi que estava me perdendo no final daquele outono, quando seu último beijo se chocou contra minha boca, num banheiro sujo daquela velha estação - um beijo que queimava meus lábios e um olhar que se impregnava em minha pele. Ainda assim, ela nunca havia ficado - em nenhum momento daquele amor unilateral.
Conheci Arizona numa noite quente de verão, e fui embora numa calma tarde de outono, quando finalmente percebi - que faltava pouco para eu não ter quase nada (de mim). Recolhi meus pedaços, lentamente, tomando todo o cuidado que não tivera naqueles meses todos, e finalmente entendi.
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