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A parede verde

Onde foi que nós nos perdemos?

Aquela frase vinha martelando em sua cabeça durante todo o caminho de volta para casa, que normalmente nada mais era do que meros quinze minutos, mas naquela noite havia se estendido para cerca de meia hora pelo fato de ele ter mudado a rota. Ironia - ele riu, pensando no sentido da palavra rota, porque nem estava tentando fazer uma metáfora, e ali estava ela.
Onde foi que suas rotas haviam se separado?
Suspirou, pensando, mais uma vez, que aquela era uma péssima ideia. Ele pegara a droga de um caminho longo, correndo o risco de ser assaltado - já passava da meia noite, e seu bairro não era lá o mais seguro da cidade - apenas para poder pensar sem ser interrompido. E não podia pensar em seu próprio apartamento? Não, aquele lugar o sufocava. Cheio de lembranças dela, e ao mesmo completamente vazio. Contradição. Como foi que eles haviam tomado direções tão contrárias?
Ainda se lembrava daquela noite, um ano atrás, quando eles haviam se reencontrado para jantar, e ela surgira maravilhosa no vestido verde escuro. Ela era assim. Ficava bonita com qualquer porcaria que vestia - e ele odiava verde. Odiava as paredes daquele apartamento, mas ainda não as pintara. Gostava de olhar pra elas pela manhã.
Era sempre a mesma rotina: acordar, tomar banho, passar café, ligar o rádio em sua estação favorita - eles ainda tocavam músicas boas - e pensar em como as coisas estavam diferentes. Ou encarar a parede horrorosa que lembrava seu vestido. Na verdade tudo lembrava ela, mas ele não queria lembrar. Quando foi que decidira aquilo?
Antes as lembranças eram doces, e naquela noite ele as queria longe. Na verdade, precisava de uma boa taça de vinho. E algumas horas de sono. Às vezes dormir ajudava, mas nem sempre. Há duas semanas havia sonhado com ela, e fora um sonho difícil de esquecer. Ela aparecera com sua saia esquisita e o sorriso travesso e viera em sua direção, calma, com um olhar que dizia que iria beijá-lo ardentemente.
Mas na última noite ela não sorrira. Estava diferente. Batom escuro e cabelo bem arrumado - sem os fiozinhos fora do lugar, que costumavam ser sua marca registrada. Até as roupas não eram como antes - um vestido bonito, vermelho escuro e sapatos bem altos. Ela estava linda. Mas não sorrira, e nem o olhara nos olhos. Nada de abraços ou algo além do cumprimento formal. Nada além da pergunta obrigatória que não exigia resposta. E ela não o encarava.
Onde foi que haviam se perdido?
Nenhuma menção aos recados que ele deixara em sua caixa postal. Nenhum comentário sobre o fato de fazer um ano. Nada sobre ele ter aparecido em seu apartamento alguns dias atrás. Apenas a pergunta obrigatória, e ela não o encarara.
Ele sempre havia acreditado que algo os traria de volta um para o outro - não era religioso, apenas pensava em uma coisa parecida com força magnética, que trabalharia a seu favor. Sempre pensou que algo os atrairia de volta, mas ali estava ele. E lá estava ela, em algum lugar distante onde ele não podia alcançá-la, e tudo o que ele sentia era seu coração se partindo, e o caminho de volta para casa alongando-se a cada passo.
Onde foi que havia se perdido?

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