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O texto de fim de ano que não escrevi

Os começos e os fins sempre vêm acompanhados daquele sentimento estranho de que algo está faltando. Como aquela tristeza, agridoce, por nenhum motivo remotamente explicável e o sentimento de esperança - de que as coisas vão, na melhor das possibilidades, se resolverem e tudo o que foi bom será ultrapassado, ou até substituído, por coisas novas e, na pior das hipóteses, a esperança de que nada será tão ruim quanto o que já passou.
A nostalgia é um sentimento engraçado, e ela sempre está presente nos finais - e nos começos também. Nós sempre precisamos escrever sobre ela, porque independente de como tudo tenha dado incrivelmente errado num passado distante, ainda há a perspectiva de um horizonte mais azul. Talvez eu esteja sendo um pouco metafórica, e esse é um problema das coisas que escrevemos em momentos nostálgicos: elas vêm salpicadas de metáforas, e saudade, decepção e raiva que precisa ser superada - porque, uau, um novo começo está chegando, e é quase uma obrigação dos textos nostálgicos falar sobre isso.
E por falar em obrigações, outra bastante frequente em coisas que escrevemos em nossos momentos de nostalgia é a beleza. Textos nostálgicos sobre fins, começos ou qualquer uma dessas baboseiras precisam ser belos, mesmo quando tudo o que você se lembra é feio ou doloroso - mesmo quando não há nem um resquício de cor, você precisa apagar todo o cinza e transformá-lo em algo com que as pessoas se identifiquem, ou ao menos gostem.
E esse é meu texto de final de ano, que não escrevi especificamente na data certa, porque não havia nostalgia o suficiente para - na verdade, nem parecia um final. Era quase como uma continuação com, é claro, a incógnita do futuro. Esse é meu texto de final de ano, e quero falar sobre ela, e sobre o sentimento de nostalgia que deve obrigatoriamente acompanhá-lo.
Os começos e os fins sempre trazem uma bagagem. Geralmente ela é composta por uma série de coisas - momentos bons que precisamos guardar, mesmo que eles já estejam enterrados num passado tão distante que já quase não existe mais, momentos ruins que devemos superar, e perspectivas que esperamos alcançar. Eu não quero falar sobre o passado recente - sobre como, um ano atrás, eu era só uma garota assustada que precisava conhecer novos lugares, novas pessoas e novos espelhos, e carregava a necessidade constante de recomeçar, e eu também não quero falar sobre o passado mais distante, em que eu era só uma garota assustada que se preocupava demais em agradar. Eu não sei...tanta coisa mudou, e o grande problema da nostalgia é que tudo isso já está me deixando triste.
Tanta coisa foi arrancada, e reposta, e é difícil fazer uma balança. É difícil definir um conjunto enorme de vários dias em apenas um ou duas palavras, ou até mesmo uma série de frases conexas.
As coisas estão diferentes porque eu queria que fossem, e acho que essa é a verdade que todos nós temos medo de encarar. Embora uma grande parte das coisas em nossas vidas não possa ser controlada nem com nosso maior esforço - e isso foi algo que aprendi no passado recente; algumas coisas dependem de pequenas decisões que tomamos. Na verdade, muita coisa depende de nossas aparentemente insignificantes decisões, e talvez tenha sido isso que me fez ignorar o fato de um ano estar acabando, e de eu não ter escrito porcaria nenhuma sobre isso.  Porque eu não ligo pro fato de o ano estar acabando. Não me parece um final, mas uma continuação. Uma continuação cheia de coisas que importam, e coisas que, na verdade, não são tão importantes assim. E acho que essa é a grande coisa sobre fins e começos, e toda a nostalgia que os acompanha: decidir o que é importante. E continuar caminhando.

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