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Multiversos de você

Ana sempre me dizia que queria modificar o tempo, e com toda a magia na ponta de seus dedos, eu não duvidava que pudesse. Uma noite, ela me pediu para fechar os olhos, segurou minha mão junto a sua, e sussurrou no canto do meu ouvido um amontoado de descrições desorganizadas, tão aceleradas como as cenas de um filme pra lá de confuso. Isso é tão estúpido, penso nos primeiros segundos, cedendo então à brincadeira, porque Ana sempre mergulhava profunda e loucamente nas minhas. Em alguns segundos, me vejo observando duas desconhecidas no centro de um vagão, e reviro os olhos às suas risadas vergonhosamente histéricas. - O que foi? - uma das garotas, a de camisa de gola alaranjada, olha para baixo, recuando timidamente enquanto a outra toca a lateral de seu rosto com suavidade, como se nada mais existisse em todo aquele trem barulhento. - Eu só quero olhar pra você - a garota das tranças brancas a encar...
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Canção de amor

Você é como uma brisa de ar fresco em um dia quente Como uma cama aconchegante nas noites frias E braços convidativos em um mundo escuro. Uma taça de champanhe em uma noite feliz, O ar que toca meu rosto em nossa dança, O cheiro verde de grama que me inunda O som de chuva quando estou em casa. Você é a intensidade e a calmaria Doce, quente, boa e minha O rebuliço e o suspirar De toda a calma, bagunça, frescor e lar Bruto, sonoro Tocante, urgente Preciso e estrondoso Sem precedente. Doce Que tira o ar E acalma Me faz suspirar, Aquece minha alma O mundo é estranho. Às vezes, cansativo e cruel. Não sei porquê estamos aqui. Se existe inferno ou céu. Mas sei que sou amada, e amo, com cada nota que ressoa em mim. Com cada parte de meu ser, sem fim. Sem começo, sem espera. Quando estou com você, posso ser verdadeiramente O que for, o que era O que sou, o que virá Existo, e tenho amor E amo, com tudo de mim Com tudo o que há.

Nutrição

Eu queria não ser assim Existir sem tropeçar Na vontade de fugir Pra outro espaço ou lugar  Que não aqui, em mim. Eu queria não ser assim Eu queria viver, sem mim Sem melancolia e pressa, Só calmaria e festa Sem fim. Quando estou sozinha penso em fugir pra qualquer lugar mais feliz Tomo um remédio, foi por um triz... Onda de calmaria, vem me abraçar Quero amor pra me acalmar E um abraço pra deitar. Sem amor eu sou um caos na escuridão De melancolia, eu e depressão Com amor, também posso ser O caos sempre está a me entreter Mas ao menos, não existo só E o mundo é menos triste Porque você existe, comigo, ali Sem cura, sem anestesia Apenas a presença que alivia A dor de estar só. Só eu, e minha cabeça Que talvez adormeça Em seus ombros, em nosso nó.

Breve história de mim mesma

A luta com o passado é tão cansativa que não vemos quando não há com o que lutar não há vitória quando tudo é sangue e cada passo parece levar ao mesmo lugar À deriva de mim mesma me balanço Em meus próprios braços, uma canção de ninar quando foi que a noite se tornou tão solitária? com tantas vozes a me devorar! Pegue mais um pedaço, o sangue ainda está quente os coágulos são meus, mas há pra toda a gente e a mordida mais doída ninguém me pode tirar Veneno sempre parece saboroso quando é tudo o que há pra saborear engulo em seco, engulo o ar, e a escuridão me engole e pra não dizer que não há o que me console me permito mais um prantear: O empurrei para longe ou o abracei queimei seus pedaços e me inflamei amaldicoei seu nome ou o pranteei fujo, corro, grito, me encolho mas se o passado não sou eu, porque o escolho? e nesse poço sem fim me deixo banhar? Com mãos calejadas esculpi vida no deserto e hoje já nem sei ao certo  o que me constitui se sou feita de mim mesma ou me fiz, de...

Pássaro dourado

"Meu doce pássaro dourado, Observo-o se mover como as águas daquele rio ricocheteando em minha pele, acariciando meus cabelos, envolvendo a meu corpo, tocando meus lábios seus dedos vem em minha direção Meu doce pássaro dourado, vivo e risonho Tímido, brilha entre as árvores de nosso lago Te levo para casa e você me canta uma canção as gotas de chuva tocam seus lábios sua voz irradia em raios pela floresta Meu doce pássaro dourado, que nasce todas as manhãs vi-o queimar há algumas noites e guardei suas penas entre meus lençóis Como ao que há de mais precioso. Meu doce pássaro dourado, desperto com o som de sua melodia: Você está em casa. Nunca estive tão feliz em acordar Posso ter uma canção?" Observo-o com as mãos sujas de terra e a pele brilhante de sol, agachado perto de um cachorro que provavelmente soube de sua reputação. Bob pisca para mim e sorri em minha direção, como se eu tivesse lhe adivinhado os pensamentos quando balanço a cabeça fingindo estar brava. Percebo as ...

Morro dos ventos uivantes: uma breve carta de amor

"Toma a forma que quiseres, mas vem para junto de mim e me enlouquece" eu clamaria a seus fantasmas nas noites frias, e como Heathcliff, gritaria a todos os ventos seu nome, em tom tão alto que beiraria a insanidade. Confesso, entretanto, que com ele tenho bem pouco em comum. Enquanto seu amor é raivoso e dolorido, como uma ferida que arde em brasas, nunca podendo ser alcançada; o meu é como o sol. Um delicioso sol de fim de tarde, tocando minha pele em chamas que me aquecem de prazer. "Como posso eu viver sem a minha vida? Como posso eu viver sem a minha alma?" ele disse em prantos animalescos, quando lhe arrancaram importante parte de seu coração, vagando por um abismo escuro onde sua amada não podia existir. Você acredita em Almas? Em qualquer substância que faça parte de nós mesmos e ultrapasse o plano físico? Você acredita em fantasmas? Enquanto temo-os, Heathcliff os procurava em cada canto, rogando à Cath que o atormentasse. Eu acredito que exista algo após a...

De mãos dadas com o espelho

Conheci a solidão algumas porções de vezes, nunca completamente.  Lembro-me vagamente de desejá-la, quando era nova demais para entender o que aquilo significava. Por vezes, ainda a procuro, como o ar livre depois de passar horas em um quarto lotado, sem qualquer fresta de ar. Eu corro em sua direção, respirando fundo no vento gelado. Às vezes ela não vem, e me vejo questionando sua existência. É possível estar completamente sozinha? É possível experimentar a solidão quando, a cada segundo, tenho a mim, guiando cada um de meus passos em instruções altas e claras, cuidando de toda a bagunça, gritando e repreendendo, estimulando, me rigojizando com pequenas celebrações, admirando, eventualmente, pequenos detalhes de mim mesma? Pensando dessa forma, posso dizer nunca tê-la experimentado. Sempre estive ali. Me acalmando, permitindo a mim mesma chorar, dançando sozinha em meu quarto, elogiando-me mentalmente em alguma tentativa de me animar, apontando possíveis soluções para quaisquer p...

céu

Que haja luz! - eu poderia imaginá-los gritando lá de cima, se houvesse qualquer noção de espaço. Tudo era bréu, e eu, escuridão. Tentei me debater, caindo em...nada. Um mar de água negra, tão leve que parecia não estar ali. Que poderia não estar ali. Eu estava? Senti o ar se esvair de meus pulmões antes de aquilo de fato acontecer - eu sabia que entraria em pânico. Fechei os olhos. De alguma forma, aquela escuridão era menos assustadora. Um grande onda de ar foi empurrada para dentro de meu peito, e em um soluço gigantesco flutuei. Mas não havia um acima. Apenas um em um grande sonho assustador. O suor embaçava minha vista, debati minhas mãos à procura de qualquer materialidade, perdi todo o ar e esperei. Dias. Algumas horas. Senti seus dedos antes da faísca. Minha pele continuava a mesma, mas eu estava quente. Ousei respirar lentamente, e o sopro de ar fresco saltitou em minha direção. - e que haja luz - os anjos cantariam em misericórdia, quando eu pela primeira vez pousasse meus ol...

Vic

- Quando é que essa caduca vai calar a porra da boca? - fingi me sufocar com meu próprio travesseiro, já enlouquecendo só de pensar em quantas vezes eu tinha ouvido aquela velha gritar como a um animal esquisito na última semana. Para minha sorte, se é que existem sortudos no inferno, eles a punham pra dormir à noite, misturando alguma porcaria potente no meio de sua gelatina gosmenta amarela - eu as dividia por cores, e a amarela era a pior de todas, como um mijo quase sólido. Em minha primeira noite, quando usei a desculpa de precisar ir ao banheiro para tomar um pouco de ar, na ponta do pé a espiei se debater até um dos enfermeiros - o baixinho gostoso, da voz que parecia modificada por uma porrada de hormônios - a espetar com algo que deixou aquele corredor esquisito em silêncio por uma noite toda. Ainda assim, peguei no sono quase pela manhã, quando a loira do nariz torto e verruga na bochecha esquerda veio se certif...

Music to my eyes

Se você fosse uma canção, eu a ouviria no volume mais alto em qualquer canto silencioso, para que eu pudesse sentir cada nota, e então eu a gritaria ao mundo, soprando todas as borboletas que explodem em meu estômago. E se eu pudesse te fazer um poema, eu o tocaria em qualquer espaço perto do seu pescoço e te diria pra fechar os olhos, e então seríamos apenas nós. Em todo um mundo condensado naquele quarto. E eu diria: querido, pegue a minha mão . E seria a minha vez de te cantar uma canção, no volume mais alto, para que ouvíssemos em qualquer canto silencioso onde só haveria nossas respirações, junto às doces lâmpadas de seus olhos. E então eu te diria para não ter medo, e ambos riríamos daquilo porque sentimentos não são marionetes, e como Gaga, eu desejaria te cantar um pôr do Sol, mas quando a noite caísse, eu te mostraria cada uma de minhas estrelas, e...