Vovó dizia que a saudade é salgada. Quando eu a pegava enxugando os olhos, às pressas, no meio da noite, encarando as duas xícaras de chá perto da velha poltrona do vovô, tudo parecia fazer sentido.
Vovó dizia que a saudade é salgada, e naquele dia, algumas semanas antes de o verão acabar, quando toda a água do meu corpo parecia ter saído por meus olhos e meu rosto estava mais inchado que o de Ana depois de suas reações alérgicas, eu achava que havia entendido.
Vovó dizia que a saudade é salgada, mas ela estava errada. Porque maior do que a saudade que me fazia afundar naquela beliche rangenta era a culpa. A culpa era salgada, e como a sopa da mamãe, demorava pra descer. A minha ainda estava entalada, em algum lugar bem no meio da minha garganta, e não importava quanto eu engolia e engolia, ela continuava ali. A maldita continuava ali.
Vovó dizia que a saudade é salgada, mas ela estava errada. Minha saudade doía. Doía como uma dor que parecia fazer parte de mim - tão funda que eu nem podia localizá-la. E quando a dor era tanta que saltava de meus olhos, eu finalmente percebi.
Vovó dizia que a saudade é salgada, e quando eu a pegava, no meio da noite, se dando conta de que havia uma xícara a mais daquele chá horroroso que vovô costumava preparar depois do jantar, fizesse chuva ou sol, eu sabia.
Vovó dizia que a saudade é salgada, mas quando eu percebia seus olhos se encherem e seu coração murchar, eu sabia que ela estava errada. Naquela noite, esperei. Vovó bebericou o chá até o fim e, então, sorriu - no meio do mar que se formava à sua volta. Vovó sorriu, e eu soube.
Vovó dizia que a saudade é salgada. Mas ela estava errada. Saudade não é só salgada. Ela é doce. E quente - como uma pitadinha de sal que arde na ferida que só não dói mais porque é sol. Tão quente que aquece cada partezinha do seu corpo. E você não sabe o que fazer, porque é como se houvesse uma luz num lugar distante e você não conseguisse apagá-la. Ela continua acesa, queimando e aquecendo - e dói e te faz sorrir, tudo junto, tão misturado que até te confunde.
A saudade me confunde, mas eu nunca me esqueço - e continuo acesa.
se me dissessem que tempestades eram tão belas, eu mandaria queimar todos os guarda-chuvas que pudesse encontrar. Deixe que a noite acenda, e você nunca se sentirá tão viva. " E se eu não quiser queimar?" ela me perguntou, vestindo sua expressão mais inteligente, e eu podia jurar - por toda a minha coleção de canetas coloridas e todas as minhas figurinhas do Simon Snow - que seus olhos faiscavam. Não eram a sua parte mais bonita - ela tinha um montão de pedacinhos notáveis e, de alguma forma, era muito mais do que a soma das partes. Não, seus olhos não eram sua parte mais bonita. Talvez fossem as mãos, ou a boca - aquela boca - mas eu era suspeita demais pra falar. Nossa professora de biologia havia dito que podemos ficar três minutos sem oxigênio - o que era tempo pra caramba - mas quando aqueles lábios tocavam os meus, bem... eu tinha certeza que a Srta. Tomas estava errada. Porque aqueles láb...
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